Há
uma busca do candidato de um centro democrático, seja lá o que se entenda por
isso.
Teoricamente,
seria uma área de convivência entre liberais e sociais-democratas, que visasse
preservar o país da radicalização que se anuncia e, especialmente, de um maluco
de ultradireita.
O
posto de candidato do centro democrático está vago.
São
curiosos, aliás, os movimentos oportunistas que se formam em tempos de
desconserto geral. Qualquer um se julga com oportunidade, do economista liberal
aos velhos nacionalistas, passando por antigas apresentadoras de TV,
apresentadores atuais. Teve 15 minutos de fama? Já pode se candidatar a
presidenciável. Nem a Loto desperta tantas fantasias.
A
prova dos 9 se dá quando se colocam à campo. E, aí, é ilustrativa a experiência
João Doria Júnior.
Dória
é um outsider que se tornou prefeito por várias razões, nenhuma ligada ao
seu mérito próprio.
A
primeira, ao fato do governador Geraldo Alckmin não ter um substituto à altura.
Assim como outros coronéis do PSDB, Alckmin não aceita um Exército com
oficiais, só sargentos que não possam questionar seu comando. Na hora das
batalhas secundárias, não há oficiais disponíveis e, aí, toca a apostar
em outsiders. O último político paulista desprendido foi Franco Montoro,
que acabou devorado por Orestes Quércia.
A
segunda, o antipetismo dos paulistas, que daria a vitória para qualquer poste.
Pularam de um poste a outro até se fixar na samambaia Dória, aquela que vai se
enroscando em todos os pontos, até ganhar raízes próprias e sufocar o criador.
Os figurinos de Dória
Os
mais velhos devem se lembrar de um quadro hilário do humorista Serginho Leite
em que ele imitava, ao mesmo tempo, Agnaldo Rayol e Agnaldo Timóteo. Para
tanto, pintava metade da cara de preto e a outra de branco e ficava com o
perfil correspondente a cada Agnaldo, quando soltava a imitação.
Lembra
Dória hoje.
Havia
dois figurinos para o antipetismo. O mais legítimo era o da figura do gestor,
divorciado da velha política, atuando cientificamente. O segundo, a do caçador
de petistas, raivoso, iracundo, hidrófobo. Ambos, como antíteses do político
tradicional, aquele que não se rende às facilidades das alianças ilegítimas, ao
pragmatismo malandro da realpolitik.
Grandes
políticos, Brizola, Covas ou Maluf, cada qual no seu campo, seguiam um conjunto
de valores quase imutáveis, porque a incoerência e/ou a deslealdade, quando
percebidas pelo eleitor, são veneno na veia da imagem do político. O marketing,
para eles, era apenas uma maneira de projetar sua personalidade pública.
No
caso de Dória, não. Ele é um androide, totalmente desenhado pelo
marketing, não o marketing planejado, mas o do improviso.
O
primeiro engano foi o ataque de prepotência que acomete todo espírito vaidoso,
quando assume um cargo não previsto e se deslumbra. Acaba acreditando que todo
mérito é seu. Lembro-me até hoje da ex-governadora do Rio Grande do Sul, Yeda
Crusius, me telefonando – a respeito de críticas que fiz ao seu açodamento,
quando Ministra do Planejamento de Itamar – e dizendo: que culpa eu tenho de
ser alta, bonita e inteligente?
Dória
pegou vento a favor e passou a achar que ele conduzia o vento. Depois, assumiu
e, no período de carência – que todo político eleito tem – praticou duas ou
três jogadas de marketing que foram bem recebidas, justamente porque se estava
no período de carência. Aí, passou a se considerar dono de uma intuição
fulminante. Todos seus passos seguintes não obedeceram a nenhum planejamento.
Qualquer problema poderia ser resolvido com uma desculpa criativa e um factoide
qualquer.
Como
alertamos várias vezes, trata-se de uma estratégia suicida. A facilidade atual
em disseminar imagens exige um cuidado adicional com a superexposição. Doria
passou a se comportar com mais assanhamento de uma adolescente vidrada em
selfies.
E
aí, apareceu o lado mais sombrio de sua personalidade: a grosseria, o
oportunismo, a deslealdade, a ambição explícita. Mas, principalmente, o perfil
contraditório, do sujeito que muda de opinião ao sabor das circunstâncias.
Semanas
atrás, escrevi um artigo sobre a imagem
tortuosa que Dória estava criando de si mesmo, do sujeito rancoroso,
agressivo, desleal, de índole ruim. Dias depois, em encontro com artistas e
jornalistas em sua casa, em um trecho gravado pelo Estadão, ele como que
respondeu ao artigo, dizendo da impressão falsa que estava construindo sobre
ele, que no fundo era um bom rapaz, coração bom, generoso etc.
Mas
não adianta.
A biruta de aeroporto
Agora
está em plena procela e o barco não obedece mais ao comando do piloto.
Dória
precisa consolidar alianças políticas pelo país e não para de viajar. Aí, saem
duas pesquisas mostrando queda na aprovação do gestor. Ele volta correndo e
cria mais dois factoides. Mas, aí, percebe que Alckmin pode estar se
fortalecendo em outras regiões e sai correndo atrás do prejuízo.
Nesse
ínterim, sofre uma crítica de Alberto Goldman, e responde com uma agressividade
sem limites, tratando Goldman como um fracassado porque velho e aposentado.
Nesses tempos de insegurança generalizada com o desemprego, imagine-se como tal
afirmação irá cair para os eleitores.
Nessa
ânsia de agarrar todas as oportunidades, vai se ampliando a falta de coerência
do seu discurso.
Confiram
suas entrevistas dos últimos dias. É uma biruta de aeroporto. Diz que respeita
Bolsonaro, mas seus métodos de gestão são diferentes. Que mané gestão? Entra em
divididas, das quais deveria se poupar – como a questão da censura à exposição
de arte – e, no momento seguinte, tem que se explicar para o público mais
esclarecido. Depois, faz campanha contra a corrupção e, ao mesmo tempo, apoia
Temer. Dá declarações sobre a importância de acordos políticos, para ganhar
tempo de TV e, depois, faz um malabarismo incompreensível para explicar como
joga de acordo com as regras do jogo da velha política, e pretende se
apresentar como o novo na política.
Alckmin
não é sabido, mas é esperto. Conhece suas próprias carências e se poupou ao
máximo. Dória tem a imprudência dos megalômanos. E, com isso, deixou o centro
democrático à procura do seu sir Galahad.
GGN
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