A casa de D. Luísa França, em Santo
Antonio dos Lopes, cidade do Médio Mearim maranhense, cheia com a visita dos
filhos, oito ao todo, netos oficiais são dez, a rotina ao amanhecer se altera e
mais ainda se a visita inclui seu primogênito, o Júlio César, para ele
invariavelmente tem preparada uma galinha caipira ao molho, os outros filhos
não se importam com isso, uma bobagem, mas se aproveitam da situação, reclama
Júlio, pois quando se senta a mesa para comer a penosa só encontra os pés, as
asas e o pescoço e olhe lá se demorar nem isto. Rotineiramente a D. Luísa
acorda às sete horas, mas com esta visita especial, levanta as seis da matina,
para preparar as guloseimas.
Irmãos: Jadiel, Walter, Júlio César, Sebastião, Richard e Wagner.
Frnci, Walter, Júlio Filho, Neide, Júlio César e Bati França (pai da turma).
Assim, os trabalhos na cozinha
começam mais cedo, os quitutes que dali saem tem características especiais, o
café é reforçado, bolo a lá Luísa, cuscuz, ovos caipira, leite in natura da fazenda Pau Ferrado, tirado
de madrugada pelo Raimundo Zoada, também apelidado de Ajeita, cognome que
ganhou de um ex-vizinho, o Sousão, irmão de D. Luísa, já falecido, Zoada ou
Ajeita, tanto faz, nisto aceita de bom grado, não se altera, a não ser que a
conversa estique e especule sobre as apostas dos jogos de bilhar ou sinuca como
quiserem chamar, a sua cachaça predileta. Nisso não aceita opinião, por pouco
puxa logo o facão.
O Ajeita é uma figura a parte, traz
o leite logo cedo, entra de supetão com seu vozeirão grave de locutor de FM,
fala quase gritando, não toma chegada esteja quem estiver, esperto sabendo que
tem visitas dos filhos, exclama: - mamãe taqui o leite, se dirigindo a
Matriarca, e logo emenda, - cadê os meninos? D. Luisa responde, - estão
dormindo, eles chegaram tarde da rua. Continua ele, - ah! Eu acordo cedo, hoje
já plantei feijão, lavei minhas louças tirei o leite. Para reforçar sua
gratidão, narra: “um dia me candidatei a vereador, fui pedir votos para minha
família, meus sobrinhos não me aprovaram, então a minha família é esta que me apóia”,
se referindo D. Luísa, a mãe de conveniência. “O Jadiel seu filho, me filiou no
partido dele e disse, tu vais ser candidato a vereador”. E tasca mais uma,
agora em referência a situação política do país: “agora estamos governados pela
ditadura, nessa crise vai dar é muita mulher cantando a gente, por isso que
gosto do Pau Ferrado, venho aqui e volto logo, as meninas chegam lá disfarçando
pedindo goiaba e a gente que não é besta aproveita”.
Na cozinha: D. Luiza e as filhas, Bastira de costas e Denize ao fundo.
Ato 04
Voltemos a hause da história, D.
Luisa satisfeita com a presença das suas duas filhas Denize e
Bartira, esta última por ter nome incomum não morre de amores por ele, já
até teve vontade de trocá-lo. Então as irmãs são arrastadas para a cozinha.
Formado o trio Luísa, Denize e Bartira, elas se entendem, no final a comida sai
redonda, mas sem antes deixar de lado um tanto de perrengue, uma diz, “mamãe se
sente”, ela faz que não ouve. Aí D. Luísa fala, “esta panela tá seca põe água, vê
se tá boa de sal”? Ela mesma pega a colher grande dá uma mexida, pinga na mão,
dá uma lambida, degusta não fala nada, mas pelos gestos aprova o sabor produzido
a seis mãos.
Ato 05
Deixei-as um pouco fui para a sala,
frente à televisão, celular na mão, nu da cintura para cima, pés descansando
noutra cadeira, tentando minorar os efeitos de uma picada do aedes egypti que
transmite o vírus da (chikungunya, dengue, febre amarela e zika), no meu caso
acho que é a primeira são seis meses para sarar. Assim me restou observar o
movimento da casa. Não sei se vão gostar do que digo. D. Luísa senta ao lado
com o jornal "O Estado do Maranhão" na frente dos olhos, que logo
abandona, começa a explodir foguetes dos festejos da Rua Santa Madalena, D.
Luísa assunta e exclama: "começou o tiroteio" se levanta em seguida,
entra no quarto e retorna para cozinha. Retoma o comando das panelas, aponta
para uma delas, Bartira tira este arroz daqui bota para ali, qual? Pergunta a
filha, que logo atende a ordem. D. Luiza não perde o prumo, trabalha de olho no
relógio, interroga ela, já são onze horas? Ninguém responde, a lida prossegue, vê-se
que está preocupada. Nada pode falhar, o almoço deve sair na hora. Afinal o Júlio
César, como ela gosta de chamá-lo não pode reclamar.
Fazenda Pau Ferrado (recreio).
Ato 06
D. Luísa tem seus macetes, é dura
com os que lhe cobrem no cotidiano, racional e prática ao extremo, sua
franqueza beira ao irracional, se duvidar até deputado leva corretivo, mas é em
torno dela que a roda gira, pelo menos na sua casa, seu espaço de trabalho não
é um escritório chique, tampouco um balcão comercial. O que ela gosta mesmo e
da cozinha, por isso, este local está sempre cheio de gente, é lá que recebe os
filhos e sua vasta clientela, os pedintes, os que lhe inteiram dos fatos da
cidade. Os negócios são fechados ali, principalmente a fazenda Pau Ferrado de
onde é administrada. Boa cabeça, não anota nada, não vai pessoalmente ao
comércio local fazer compras, mas o que dizer de seus auxiliares afinam as
canelas do vai e vem, mesmo assim ela sabe de todos os preços dos insumos que
utiliza, ainda indica o fornecedor mais em conta, negocia um desconto como ninguém,
é uma verdadeira empreendedora já foi dona de hotel. Não sei como vai se virar
na nova casa, recém construída pelos filhos, em que, seu ambiente de trabalho,
a cozinha foi fisicamente reduzida de tamanho, local sagrado para ela.
Wagner e sua esposa Alessandra.
Labuta da manhã encerrada, a visitação
reflui, tirante o Zeca Perneta ou bigode de arame, que realiza algumas tarefas
da casa, a tempo se despediu. Dá uma hora da tarde, eis que surge o Zim França,
batizado Anagilson, mas prefere o primeiro em homenagem ao seu amigo “chegado”,
o Dr. Wagner França, outro integrante da prole de D. Luísa, exigente nos
preparos culinários, sal, é o seu tempero preferido. Ao contrário do Ajeita, o falso
França chega de mansinho, fala com o recepcionista da casa o Zé Meu, neto do
Sousão que virou filho postiço de D. Luisa, que nada responde, senão um gesto
com a cabeça ou um leve esboço de riso. Zim passa pela sala se tem alguém
cumprimenta, avança rumo à cozinha. - D. Luísa cadê o doce? - Tem não! Senta
aí. Daí a pouco ela vem: – toma! Rapaz tu gostas muito de doce. - Ah! Porque
seu doce é muito bom. Retruca-a novamente. - Porque então não pede para tua
mulher preparar? Doce é fácil de fazer. Esse doce da D. Luísa é mesmo um
sucesso, conta a Doceira toda feliz, “recentemente chegou aqui o Simplício[1],
Secretário do Flávio Dino: ei D. Luísa vim atrás do seu doce, aí eu disse: só do
doce? Não da Senhora também”. Descomposto, corrigiu ele.
Ato 07
Santo Antonio dos Lopes (MA), 28 de
maio de 2016.
Crônica.
Crônica.
Por Reginaldo Veríssimo
[1] Trata-se do ex-deputado federal Simplício
Araújo, atual Secretário de Estado da Indústria do Maranhão, do Governo Flávio
Dino, que em visita ao Povoado Nova Demanda que ajudou a criar, acompanhou
Jadiel França e se avistou com D. Luísa.